Com os teatros fechados artistas baianos se organizam para pedir apoio público durante o isolamento; principal ferramenta de auxílio é a lei federal Aldir Blanc

Foram exatos 480 dias entre o anúncio do fechamento dos teatros, em 16 de março de 2020, e o primeiro dia da fase verde de retomada das atividades em Salvador, iniciada em 9 de julho de 2021. Apenas nesta última data é que os teatros foram autorizados, ainda que com restrições, a receber novamente o público. Antes, eventuais reaberturas pontuais transformaram os palcos das casas de espetáculos em verdadeiros estúdios, já que a plateia seguiu proibida e os espaços só puderam ser utilizados como locações para transmissões ao vivo.

 

Ao longo de mais de um ano, os artistas precisaram se reinventar e descobrir novas formas de seguir trabalhando. Muita coisa mudou, mas algo permaneceu como antes: a necessidade de sobreviver e de tirar do trabalho com o teatro o sustento financeiro. Foi justamente essa a principal preocupação do ator e diretor baiano Marcelo Praddo.  Diferente de muitos colegas, o artista não mergulhou nas criações para internet e dedicou seu tempo na busca pelo diálogo com as autoridades públicas, com o objetivo de entender como governo e prefeitura pretendiam ajudar a classe. “Tinha a intuição de que aquilo não ia me fazer pagar minhas contas, não ia me fazer sobreviver financeiramente. Talvez por isso eu não consegui mergulhar, não consegui fazer essa passagem, porque me preocupei com meu dia a dia, com minhas necessidades financeiras”, relata Marcelo sobre a decisão de não criar para internet.

Artistas encabeçaram campanha para tomada de ações emergenciais em apoio à classe na Bahia e em Salvador

O ator lembra que, dias antes do fechamento, estava em cartaz, como diretor, com o espetáculo “Simplesmente Elas”, no Teatro Módulo. As duas únicas sessões da temporada, realizadas no fim de semana anterior à suspensão das atividades, já receberam pouco público e fizeram acender em Marcelo a preocupação com o futuro. Antes que chegasse o primeiro final de semana com teatros fechados em Salvador, Praddo já havia criado um grupo para encabeçar a elaboração do que foi chamado de Plano de Crise para as Artes Cênicas da Bahia. “O grupo foi criado para que a gente pudesse discutir as possibilidades de trabalho, porque eu sabia que a gente realmente ia ficar impedido de estar nos palcos. A possibilidade de trabalho passava, necessariamente, por uma relação com as secretarias de culturas, para que a gente pudesse apresentar um plano para socorrer artistas, técnicos e profissionais de um modo geral”, diz Marcelo. Além dele, faziam parte do grupo os atores Frank MenezesLelo Filho, João Guisande e as produtoras de teatro Selma Santos e Ana Paula Prado, além do ator e diretor Marcelo Flores.

 

Juntos, os artistas entraram em contato com profissionais de teatro em outros estados para entender como cada parte do Brasil estava ajudando seus atores e técnicos. Criaram uma página nas redes sociais e uma campanha em vídeo para que o plano de crise, elaborado por eles após as conversas, fosse implementado na Bahia e em Salvador. O documento, assinado por 121 profissionais do teatro no estado, foi enviado a gestores de cultura do governo baiano e da prefeitura da capital em 25 de março de 2020, menos de 10 dias depois do fechamento oficial dos teatros. O mesmo documento foi disponibilizado online e transformado em abaixo assinado para que mais pessoas pudessem expressar seu apoio. No total, foram recolhidas 3.233 assinaturas. “Essa pressa vem da própria necessidade do profissional da arte de sobreviver. A gente não tem um emprego fixo, não tem um contracheque, a gente tem que ficar gerindo a nossa carreira, precisa estar sempre empreendendo, pensando no que vai fazer amanhã para pagar as contas. Essa urgência vem dessa necessidade mesmo”, acredita o ator ao lembrar a rapidez com que todo processo aconteceu.

Íntegra do documento enviado às autoridades públicas da cultura em março de 2020

Ao todo, o documento elaborado pelo grupo trazia oito propostas de ações para auxiliar os artistas e técnicos do teatro baiano a enfrentar a pandemia e a obrigatória ausência do trabalho. Entre as sugestões de ação estavam a isenção do pagamento de taxas e contas públicas até o fim de 2020; apoio financeiro para despesas de grupos artísticos; facilitação para empréstimos e a inclusão dos artistas nos programas públicos de segurança alimentar. O movimento criado pelo grupo chegou a repercutir na mídia e na internet, mas, para os artistas, pouco foi colocado em prática. “No primeiro momento todo mundo se assustou, não só os artistas, mas também os gestores. Tudo ficou muito voltado para a saúde. A gente teve muito essa justificativa de que as verbas estavam voltadas para a saúde, o que era compreensível, mas a gente tinha que chegar a alguém”, relata o ator.

Diante da demora por soluções práticas, Marcelo buscou suas próprias alternativas e passou a vender comida sob encomenda para garantir o sustento financeiro. A reinvenção profissional, no entanto, não tirou de Praddo a vontade de buscar soluções para a classe como um todo. “Eu gosto dessa minha nova profissão, estou curtindo fazer, mas eu me preparei para ser ator e diretor de teatro, para esse universo e esse universo está completamente apagado. A gente testemunha situações de colegas desesperados, sem dinheiro, sem trabalho. Nem todo mundo cozinha como eu, nem todo mundo tem possibilidade de fazer outra coisa. Não é fácil”, avalia.

 

Vídeo fez parte da campanha pelo Plano de Crise para as Artes Cênicas da Bahia

SOS Cultura 

Em Salvador, já em 2021, os profissionais da área foram contemplados com o chamado
SOS Cultura, auxílio  emergencial que pagou uma parcela única de R$ 1.100,00 a cerca de 6 mil trabalhadores da cultura. O auxílio não foi exclusivo para os profissionais do teatro, mas contemplou, segundo informações da prefeitura, trabalhadores de três categorias: os da área de cultura, os da área de eventos e aqueles que atuam no Centro Histórico de Salvador.


No caso dos profissionais de teatro, um cadastramento foi realizado pela
Fundação Gregório de Mattos (FGM), órgão municipal responsável, dentre outras funções, por gerir projetos de teatro na cidade. O cadastramento, realizado logo no início do isolamento, em uma das primeiras ações da FGM, que distribuiu cestas básicas aos profissionais, alcançou cerca de 4 mil artistas, das mais diversas linguagens e serviu de base para o pagamento do benefício em dinheiro. Presidente da Fundação, o diretor de teatro Fernando Guerreiro reconhece que o número poderia ser maior. “Se fez pouco diante do que a classe precisa, mas a situação da prefeitura é grave então acho que a gente conseguiu um diálogo bom. É preciso trabalhar conjuntamente”, diz o gestor, que acrescenta que aumentar o número não foi possível diante das limitações do orçamento municipal, em sua maioria voltado para arcar com os gastos gerados pela própria pandemia, principalmente na pasta da Saúde.

Pagamento emergencial foi feito pela prefeitura para 6 mil profissionais

Para Guerreiro, no entanto, é difícil avaliar quão maior deveria ser o número de beneficiados, principalmente porque não existem dados concretos sobre os profissionais de artes soteropolitanos. O gestor, inclusive, revelou que a administração municipal trabalha em uma plataforma que busca justamente preencher essa lacuna. “A cultura na Bahia e em Salvador padece de dados. A gente não tem dados. Então agora vamos fazer uma grande plataforma sobre a cultura, eventos, entretenimento. Para termos uma fonte segura, e realmente saber quem atua na área. Nós precisamos sistematizar. Saber quanto de fato roda de dinheiro na cultura, para que a gente deixe de especular. Por isso vamos criar uma grande plataforma juntando as secretárias de cultura, desenvolvimento e a fundação. A partir dai vamos ter condições de falar da cultura de forma segura”, diz. A previsão é que a nova ferramenta seja lançada até o final de 2021 e que passe por atualizações constantes.

O problema que a nova plataforma tenta resolver se confirma quando a busca pelos dados acerca dos profissionais do teatro baiano se estende para outros órgãos. No Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão da Bahia (Sated-BA), por exemplo, são cerca de 2.300 profissionais de teatro cadastrados. O número, no entanto, não reflete a realidade, já que só buscam o registro profissional através do sindicato aqueles que construíram suas carreiras sem passar por uma formação técnica ou acadêmica. A situação é ainda menos real quando considerados os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde apenas 1.106 pessoas se identificaram como atores ou diretores de teatro na última edição, realizada em 2010.

Apesar da falta de clareza quanto ao número de profissionais do teatro baiano, quem se organizou para buscar o diálogo com gestores públicos vê as ações como insuficientes. “Todo nosso empenho enquanto grupo de profissionais, nessa relação com as secretarias, foi completamente esvaziado. Todos eles ficaram esperando a Lei Aldir Blanc, que chegou já no final do ano e nem sempre consegue suprir todas as necessidades que a gente tem. Tudo isso é muito pouco para o que a gente produz enquanto artistas na nossa cidade e no nosso estado, que prima por ser um lugar que é quase uma matriz da arte brasileira. Tivemos pouca atenção enquanto profissionais, um olhar muito tímido do poder público”, avalia Marcelo Praddo.

Lei Aldir Blanc

 

Batizada com o nome do compositor Aldir Blanc, responsável por memoráveis sucesso da MPB e morto em maio de 2020, vítima da Covid-19, a lei emergencial para o setor da cultura no Brasil foi sancionada pelo governo federal em junho de 2020. Além de incluir artistas no programa de auxílio emergencial com pagamento de três parcelas de R$ 600 pela própria esfera federal, a lei passou por processo de regulamentação e recursos foram enviados para serem operados por estados e municípios no fomento à produção artística durante a pandemia

Valores investidos nas artes em 2020 através da Lei Aldir Blanc na Bahia e em Salvador

Na Bahia, segundo dados da Fundação Cultural do Estado (Funceb), braço da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) que gere projetos de teatro, a Lei Aldir Blanc (LAB) representou a transferência de aproximadamente R$58 milhões de reais à cadeia produtiva das artes. Falando especificamente de teatro foram selecionados 120 projetos de todo estado, resultando em um repasse de R$ 8.530.000,00 ao setor. Já os recursos geridos pela capital, também através da LAB, contemplaram um total de 77 projetos de várias linguagens artísticas, somando um investimento de R$ 4.950.000,00, segundo informações da FGM.

 

Diretora da Fuceb, Renata Dias acredita que a Lei Aldir Blanc foi o principal instrumento para o enfrentamento da pandemia na área da cultura e vê o montante investido como algo marcante para o setor. “Foi algo emblemático, histórico para a estrutura do estado. É um recurso que representa seis anos de orçamento para artes com o valor que tínhamos antes do período de recessão. Para nós o principal era fazer o máximo possível dessa oportunidade”, diz a gestora.

O ator Ricardo Castro fala sobre a Lei Aldir Blanc; veja esse e outros depoimentos em nossa Plateia de Impressões

Dentre as críticas mais presentes entre os artistas estão a demora para a chegada da lei e  liberação do recurso, além do pouco tempo para executar as contrapartidas. Inicialmente, o prazo para que os profissionais entregassem seus projetos se encerrava em abril de 2021. Em março, uma ação judicial movida pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) estendeu os prazos. Já em maio, o governo federal sancionou a prorrogação que permite o uso dos recursos financeiros provenientes da lei até dezembro de 2021

 

Voz ativa na discussão sobre o tema desde antes da criação do texto, a atriz e vereadora de Salvador, Maria Marighella acompanhou o processo de debates que culminou na LAB e dentro da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. A artista acredita que o tempo para a criação da lei foi necessário. “Não vejo como esse projeto poderia ter sido feito de forma mais rápida no Brasil que temos, com as nossas dimensões e com o atual cenário da cultura como estava. É algo inédito, um auxílio imperfeito, insuficiente, mas que ainda assim é histórico aos agentes da cultura”, acredita. Para Maria, um dos méritos do auxílio foi manter ativa a produção artística no país. “Foi um motor para garantir que essa produção se mantenha viva, por isso acho que não seremos os últimos a voltar, estamos trabalhando. É um investimento no que será esse modo de fazer e fruir cultura nesse futuro que não está tão distante. Acho que não seremos os mesmos. Ainda que vivos cada um de nós morreu um pouco nessa pandemia, perdendo nossos entes, perdendo direitos”, acredita.

Lei Aldir Blanc foi principal instrumento de auxílio aos profissionais da cultura na Bahia

Para operar o recurso na Bahia, Renata Dias conta que foram criados espaços de diálogo com cada uma das linguagens artísticas. Formulários com perguntas para entender a melhor forma de aplicar o recurso em cada um dos tipos de arte foram disponibilizados aos profissionais e transmissões ao vivo nas redes sociais tinham o papel de esclarecer dúvidas. Outro ponto de preparação foi a execução de edital próprio já em modalidade virtual, mesmo antes que a lei federal se tornasse realidade. Trata-se da décima segunda edição do edital Calendário das Artes, que foi lançado em maio de 2020, já adaptado. “O edital sempre aconteceu presencialmente e pela primeira vez nós criamos um formato virtual. Era um momento em que a Lei Aldir Blanc ainda era uma discussão. Tínhamos o desenho do formato presencial e nos alimentamos de uma competência técnica para pedir a comunidade artística que aquela contrapartida fosse entregue de maneira virtual. Pela primeira vez todo o processo foi online, desde as inscrições até a contratação e a entrega. Funcionou como uma oficina para o momento em que a Lei Aldir Blanc se fez uma realidade. Porque já tínhamos experimentado o funcionamento virtual para a distribuição de recursos”, acredita a gestora.

 

Resultados virtuais

Atriz transformou espetáculos de sucesso dos seus 40 anos de carreira em pequenos vídeos depois de projeto ser aprovado em edital 

Uma das artistas aprovadas no Calendário das Artes foi a atriz Rita Assemany, que inscreveu um projeto para transformar em mini vídeos dez espetáculos do seu repertório, que fizeram sucesso ao longo de 40 anos de carreira, comemorados em 2020. “Os editais são importantíssimos para dar essa segurada financeira mesmo. A gente vai se virando em mil coisas, um vai cozinhar, o outro vai bordar, mas a gente precisa atuar na nossa área. Quando vem a notícia de que novos editais serão feitos, ficamos ansiosos porque a sobrevivência está muito difícil. Sobreviver mesmo, desde o prato de comida, até a energia de passar por essa loucura toda”, diz Rita.

 

O projeto da atriz foi uma das 200 propostas premiadas com R$ 2,5 mil. Sobre o desafio de transpor para o vídeo os sucessos de sua careira, a atriz lembra: “Eu em casa, sozinha fazendo, pensei meu Deus como eu coloquei isso no edital? Não vou conseguir. Sem experiência nenhuma nessa área audiovisual eu tive que me virar em mil para ser diretora de vídeo, para ser diretora de ator em vídeo, para interpretar, para produzir, para fazer um pouco de tudo. Mas isso deu um gás, uma alegria”, relata. Veterana, Rita diz que a necessidade de atuar para a câmera trouxe novos aprendizados para sua trajetória. “Eu não conheço essa linguagem, não dei muito espaço ao audiovisual na minha carreira porque o meu barato sempre foi esse contato direto com o público. Tive que aprender a editar, usar melhor o olhar pra me comunicar melhor com o outro. Para mim foi estranho estar falando com a câmera. O tempo do vídeo é outro, completamente diferente. Tudo é desafiador, a luz, o som, a edição, com quem você vai trabalhar. Mas o mais desafiador é essa comunicação. E é esse tempo, que é completamente diferente do teatro, que às vezes tem pausas fundamentais e no vídeo não funcionam. Eu tô aprendendo ainda”, conta a artista.

Trecho de um dos episódios do docudrama que faz parte do projeto Memórias do Teatro da Bahia aprovado na lei Aldir Blanc

Outro que teve um projeto aprovado em edital foi o ator e diretor João Guisande. Com a interrupção das temporadas dos dois espetáculos em que estava envolvido, o artista resolveu usar o tempo do isolamento para trabalhar em um projeto antigo. Através de relatos colhidos por João com artistas baianos, foi lançado o projeto “Memórias do Teatro da Bahia”, aprovado já na Lei Aldir Blanc. A iniciativa tinha o objetivo de contar histórias do fazer teatral baiano. Dentro do projeto estavam a leitura dramatizada de um texto inédito escrito por Guisande, um documentário dramático – batizado de docudrama – em seis episódios contando histórias do teatro baiano, além de podcasts e uma exposição virtual. Apesar de grande, João conta que decisões foram tomadas no projeto em razão das limitações trazidas no edital. “Optei por não montar um espetáculo virtual, porque fiquei com medo no sentido do recurso. O edital dá pouca grana, então eu precisei, primeiro, experimentar uma versão em leitura dramatizada, ao vivo, online, que deu super certo, do que tentar montar um espetáculo com pouco dinheiro. Tecnologia é caro, lidar com toda essa estrutura, fazer dar certo”, relata o ator.

 

E o futuro?

Reproduzir vídeo

Depois de um ano intenso de produções virtuais, no entanto, João já está com planos de voltar ao teatro como conhecido antes do isolamento. Desde o início de agosto em Portugal, o artista atendeu ao convite para fazer parte da montagem de Cúmplices. O texto é uma adaptação do diretor Moncho Rodriguez inspirada na tragédia Ricardo III, de William Shakespeare, e tem estreia prevista para o início de outubro de 2021 na cidade de Freixo de Espada à Cinta e depois pretende circular por Portugal. No novo projeto, a intenção de voltar a fazer teatro como antes, de cima do palco e na presença física da plateia. A previsão é de que a peça venha a Salvador em 2022. “Tem sido um processo de bastante imersão, um trabalho muito bonito com a comunidade. Não imaginava que fosse voltar a fazer teatro presencial tão cedo. Aqui as coisas da pandemia estão um pouco mais controladas e estamos podendo trabalhar. Tô muito feliz, empolgado com o projeto, e ansioso para voltar à cena”, diz o artista sobre o novo trabalho.

 

 

Do outro lado do oceano, em terras baianas, o primeiro espetáculo a anunciar uma temporada com plateia presencial foi Quixeramobim, novo monólogo de Ricardo Castro, montado para comemorar seu aniversário de 50 anos e que faz temporada no Teatro Molière. Antes dele, a atriz Márcia Limma reabriu Teatro Sesc Senac Pelourinho para cinco apresentações do seu espetáculo Medeia Negra, com plateia presencial. Já o ator Rafael Bulhões subiu ao palco do Teatro Gamboa para apresentar seu solo Devir Gazela no primeiro final de semana de setembro. Mesmo com a plateia ainda virtual o artista não escondeu a alegria da retomada. “Feliz de estar atuando em tempos tão nebulosos, na minha cidade”, comemora o ator, com a expectativa de reencontrar a plateia presencialmente ainda este ano.

Enquanto os artistas vão buscando o retorno, cada um à sua maneira, os gestores públicos anunciam a necessária manutenção das ferramentas de auxílio. Tanto o governo da Bahia, quanto a prefeitura de Salvador, anunciaram prêmios que utilizaram recursos remanescentes das Lei Aldir Blanc. No âmbito estadual, o prêmio Cultura na Palma da Mão vai aplicar mais de R$ 7 milhões em projetos artísticos realizados exclusivamente pela internet. Já no munícipio, o prêmio Riachão investe R$ 1,8 milhão em pelo menos 120 propostas artísticas a serem selecionadas. A prefeitura também anunciou o programa Viva Cultura, que investirá R$ 3 milhões do município em projetos culturais.

Em comum, uma única vontade: o retorno. “Que a gente mantenha essa sede de experimentar e de entrar nesse universo e das novas tecnologias, e que ao mesmo tempo aconteça um boom social que faça com que as pessoas saiam de casa e voltem ao teatro e ocupem os teatros. Isso é o sonho”, deseja João Guisande. “Vamos voltar mais fortes, com mais vontade. O teatro não acaba. Não acabou na primeira nem na segunda guerra, não acabou com o rádio, com a televisão, com o se cinema. Se transforma, estamos nos transformando”, finaliza Rita Assemany.

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Com os teatros fechados artistas baianos se organizam para pedir apoio público durante o isolamento; principal ferramenta de auxílio é a lei federal Aldir Blanc

Foram exatos 480 dias entre o anúncio do fechamento dos teatros, em 16 de março de 2020, e o primeiro dia da fase verde de retomada das atividades em Salvador, iniciada em 9 de julho de 2021. Apenas nesta última data é que os teatros foram autorizados, ainda que com restrições, a receber novamente o público. Antes, eventuais reaberturas pontuais transformaram os palcos das casas de espetáculos em verdadeiros estúdios, já que a plateia seguiu proibida e os espaços só puderam ser utilizados como locações para transmissões ao vivo.

 

Ao longo de mais de um ano, os artistas precisaram se reinventar e descobrir novas formas de seguir trabalhando. Muita coisa mudou, mas algo permaneceu como antes: a necessidade de sobreviver e de tirar do trabalho com o teatro o sustento financeiro. Foi justamente essa a principal preocupação do ator e diretor baiano Marcelo Praddo.  Diferente de muitos colegas, o artista não mergulhou nas criações para internet e dedicou seu tempo na busca pelo diálogo com as autoridades públicas, com o objetivo de entender como governo e prefeitura pretendiam ajudar a classe. “Tinha a intuição de que aquilo não ia me fazer pagar minhas contas, não ia me fazer sobreviver financeiramente. Talvez por isso eu não consegui mergulhar, não consegui fazer essa passagem, porque me preocupei com meu dia a dia, com minhas necessidades financeiras”, relata Marcelo sobre a decisão de não criar para internet.

Artistas encabeçaram campanha para tomada de ações emergenciais em apoio à classe na Bahia e em Salvador

O ator lembra que, dias antes do fechamento, estava em cartaz, como diretor, com o espetáculo “Simplesmente Elas”, no Teatro Módulo. As duas únicas sessões da temporada, realizadas no fim de semana anterior à suspensão das atividades, já receberam pouco público e fizeram acender em Marcelo a preocupação com o futuro. Antes que chegasse o primeiro final de semana com teatros fechados em Salvador, Praddo já havia criado um grupo para encabeçar a elaboração do que foi chamado de Plano de Crise para as Artes Cênicas da Bahia. “O grupo foi criado para que a gente pudesse discutir as possibilidades de trabalho, porque eu sabia que a gente realmente ia ficar impedido de estar nos palcos. A possibilidade de trabalho passava, necessariamente, por uma relação com as secretarias de culturas, para que a gente pudesse apresentar um plano para socorrer artistas, técnicos e profissionais de um modo geral”, diz Marcelo. Além dele, faziam parte do grupo os atores Frank MenezesLelo Filho, João Guisande e as produtoras de teatro Selma Santos e Ana Paula Prado, além do ator e diretor Marcelo Flores.

 

Juntos, os artistas entraram em contato com profissionais de teatro em outros estados para entender como cada parte do Brasil estava ajudando seus atores e técnicos. Criaram uma página nas redes sociais e uma campanha em vídeo para que o plano de crise, elaborado por eles após as conversas, fosse implementado na Bahia e em Salvador. O documento, assinado por 121 profissionais do teatro no estado, foi enviado a gestores de cultura do governo baiano e da prefeitura da capital em 25 de março de 2020, menos de 10 dias depois do fechamento oficial dos teatros. O mesmo documento foi disponibilizado online e transformado em abaixo assinado para que mais pessoas pudessem expressar seu apoio. No total, foram recolhidas 3.233 assinaturas. “Essa pressa vem da própria necessidade do profissional da arte de sobreviver. A gente não tem um emprego fixo, não tem um contracheque, a gente tem que ficar gerindo a nossa carreira, precisa estar sempre empreendendo, pensando no que vai fazer amanhã para pagar as contas. Essa urgência vem dessa necessidade mesmo”, acredita o ator ao lembrar a rapidez com que todo processo aconteceu.

Íntegra do documento enviado às autoridades públicas da cultura em março de 2020

Ao todo, o documento elaborado pelo grupo trazia oito propostas de ações para auxiliar os artistas e técnicos do teatro baiano a enfrentar a pandemia e a obrigatória ausência do trabalho. Entre as sugestões de ação estavam a isenção do pagamento de taxas e contas públicas até o fim de 2020; apoio financeiro para despesas de grupos artísticos; facilitação para empréstimos e a inclusão dos artistas nos programas públicos de segurança alimentar. O movimento criado pelo grupo chegou a repercutir na mídia e na internet, mas, para os artistas, pouco foi colocado em prática. “No primeiro momento todo mundo se assustou, não só os artistas, mas também os gestores. Tudo ficou muito voltado para a saúde. A gente teve muito essa justificativa de que as verbas estavam voltadas para a saúde, o que era compreensível, mas a gente tinha que chegar a alguém”, relata o ator.

 

Diante da demora por soluções práticas, Marcelo buscou suas próprias alternativas e passou a vender comida sob encomenda para garantir o sustento financeiro. A reinvenção profissional, no entanto, não tirou de Praddo a vontade de buscar soluções para a classe como um todo. “Eu gosto dessa minha nova profissão, estou curtindo fazer, mas eu me preparei para ser ator e diretor de teatro, para esse universo e esse universo está completamente apagado. A gente testemunha situações de colegas desesperados, sem dinheiro, sem trabalho. Nem todo mundo cozinha como eu, nem todo mundo tem possibilidade de fazer outra coisa. Não é fácil”, avalia.

 

Vídeo fez parte da campanha pelo Plano de Crise para as Artes Cênicas da Bahia

SOS Cultura

Em Salvador, já em 2021, os profissionais da área foram contemplados com o chamado SOS Cultura, auxílio  emergencial que pagou uma parcela única de R$ 1.100,00 a cerca de 6 mil trabalhadores da cultura. O auxílio não foi exclusivo para os profissionais do teatro, mas contemplou, segundo informações da prefeitura, trabalhadores de três categorias: os da área de cultura, os da área de eventos e aqueles que atuam no Centro Histórico de Salvador.


No caso dos profissionais de teatro, um cadastramento foi realizado pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), órgão municipal responsável, dentre outras funções, por gerir projetos de teatro na cidade. O cadastramento, realizado logo no início do isolamento, em uma das primeiras ações da FGM, que distribuiu cestas básicas aos profissionais, alcançou cerca de 4 mil artistas, das mais diversas linguagens e serviu de base para o pagamento do benefício em dinheiro. Presidente da Fundação, o diretor de teatro Fernando Guerreiro reconhece que o número poderia ser maior. “Se fez pouco diante do que a classe precisa, mas a situação da prefeitura é grave então acho que a gente conseguiu um diálogo bom. É preciso trabalhar conjuntamente”, diz o gestor, que acrescenta que aumentar o número não foi possível diante das limitações do orçamento municipal, em sua maioria voltado para arcar com os gastos gerados pela própria pandemia, principalmente na pasta da Saúde.

Pagamento emergencial foi feito pela prefeitura para 6 mil profissionais

Para Guerreiro, no entanto, é difícil avaliar quão maior deveria ser o número de beneficiados, principalmente porque não existem dados concretos sobre os profissionais de artes soteropolitanos. O gestor, inclusive, revelou que a administração municipal trabalha em uma plataforma que busca justamente preencher essa lacuna. “A cultura na Bahia e em Salvador padece de dados. A gente não tem dados. Então agora vamos fazer uma grande plataforma sobre a cultura, eventos, entretenimento. Para termos uma fonte segura, e realmente saber quem atua na área. Nós precisamos sistematizar. Saber quanto de fato roda de dinheiro na cultura, para que a gente deixe de especular. Por isso vamos criar uma grande plataforma juntando as secretárias de cultura, desenvolvimento e a fundação. A partir dai vamos ter condições de falar da cultura de forma segura”, diz. A previsão é que a nova ferramenta seja lançada até o final de 2021 e que passe por atualizações constantes.

O problema que a nova plataforma tenta resolver se confirma quando a busca pelos dados acerca dos profissionais do teatro baiano se estende para outros órgãos. No Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão da Bahia (Sated-BA), por exemplo, são cerca de 2.300 profissionais de teatro cadastrados. O número, no entanto, não reflete a realidade, já que só buscam o registro profissional através do sindicato aqueles que construíram suas carreiras sem passar por uma formação técnica ou acadêmica. A situação é ainda menos real quando considerados os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde apenas 1.106 pessoas se identificaram como atores ou diretores de teatro na última edição, realizada em 2010.


Apesar da falta de clareza quanto ao número de profissionais do teatro baiano, quem se organizou para buscar o diálogo com gestores públicos vê as ações como insuficientes. “Todo nosso empenho enquanto grupo de profissionais, nessa relação com as secretarias, foi completamente esvaziado. Todos eles ficaram esperando a Lei Aldir Blanc, que chegou já no final do ano e nem sempre consegue suprir todas as necessidades que a gente tem. Tudo isso é muito pouco para o que a gente produz enquanto artistas na nossa cidade e no nosso estado, que prima por ser um lugar que é quase uma matriz da arte brasileira. Tivemos pouca atenção enquanto profissionais, um olhar muito tímido do poder público”, avalia Marcelo Praddo.

 

Lei Aldir Blanc

 

Batizada com o nome do compositor Aldir Blanc, responsável por memoráveis sucesso da MPB e morto em maio de 2020, vítima da Covid-19, a lei emergencial para o setor da cultura no Brasil foi sancionada pelo governo federal em junho de 2020. Além de incluir artistas no programa de auxílio emergencial com pagamento de três parcelas de R$ 600 pela própria esfera federal, a lei passou por processo de regulamentação e recursos foram enviados para serem operados por estados e municípios no fomento à produção artística durante a pandemia

Valores investidos nas artes em 2020 através da Lei Aldir Blanc na Bahia e em Salvador

Na Bahia, segundo dados da Fundação Cultural do Estado (Funceb), braço da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) que gere projetos de teatro, a Lei Aldir Blanc (LAB) representou a transferência de aproximadamente R$58 milhões de reais à cadeia produtiva das artes. Falando especificamente de teatro foram selecionados 120 projetos de todo estado, resultando em um repasse de R$ 8.530.000,00 ao setor. Já os recursos geridos pela capital, também através da LAB, contemplaram um total de 77 projetos de várias linguagens artísticas, somando um investimento de R$ 4.950.000,00, segundo informações da FGM.

 

Diretora da Fuceb, Renata Dias acredita que a Lei Aldir Blanc foi o principal instrumento para o enfrentamento da pandemia na área da cultura e vê o montante investido como algo marcante para o setor. “Foi algo emblemático, histórico para a estrutura do estado. É um recurso que representa seis anos de orçamento para artes com o valor que tínhamos antes do período de recessão. Para nós o principal era fazer o máximo possível dessa oportunidade”, diz a gestora.

O ator Ricardo Castro fala sobre a Lei Aldir Blanc; veja esse e outros depoimentos em nossa Plateia de Impressões

Dentre as críticas mais presentes entre os artistas estão a demora para a chegada da lei e  liberação do recurso, além do pouco tempo para executar as contrapartidas. Inicialmente, o prazo para que os profissionais entregassem seus projetos se encerrava em abril de 2021. Em março, uma ação judicial movida pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) estendeu os prazos. Já em maio, o governo federal sancionou a prorrogação que permite o uso dos recursos financeiros provenientes da lei até dezembro de 2021

 

Voz ativa na discussão sobre o tema desde antes da criação do texto, a atriz e vereadora de Salvador, Maria Marighella acompanhou o processo de debates que culminou na LAB e dentro da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. A artista acredita que o tempo para a criação da lei foi necessário. “Não vejo como esse projeto poderia ter sido feito de forma mais rápida no Brasil que temos, com as nossas dimensões e com o atual cenário da cultura como estava. É algo inédito, um auxílio imperfeito, insuficiente, mas que ainda assim é histórico aos agentes da cultura”, acredita. Para Maria, um dos méritos do auxílio foi manter ativa a produção artística no país. “Foi um motor para garantir que essa produção se mantenha viva, por isso acho que não seremos os últimos a voltar, estamos trabalhando. É um investimento no que será esse modo de fazer e fruir cultura nesse futuro que não está tão distante. Acho que não seremos os mesmos. Ainda que vivos cada um de nós morreu um pouco nessa pandemia, perdendo nossos entes, perdendo direitos”, acredita.

Lei Aldir Blanc foi principal instrumento de auxílio aos profissionais da cultura na Bahia

Para operar o recurso na Bahia, Renata Dias conta que foram criados espaços de diálogo com cada uma das linguagens artísticas. Formulários com perguntas para entender a melhor forma de aplicar o recurso em cada um dos tipos de arte foram disponibilizados aos profissionais e transmissões ao vivo nas redes sociais tinham o papel de esclarecer dúvidas. Outro ponto de preparação foi a execução de edital próprio já em modalidade virtual, mesmo antes que a lei federal se tornasse realidade. Trata-se da décima segunda edição do edital Calendário das Artes, que foi lançado em maio de 2020, já adaptado. “O edital sempre aconteceu presencialmente e pela primeira vez nós criamos um formato virtual. Era um momento em que a Lei Aldir Blanc ainda era uma discussão. Tínhamos o desenho do formato presencial e nos alimentamos de uma competência técnica para pedir a comunidade artística que aquela contrapartida fosse entregue de maneira virtual. Pela primeira vez todo o processo foi online, desde as inscrições até a contratação e a entrega. Funcionou como uma oficina para o momento em que a Lei Aldir Blanc se fez uma realidade. Porque já tínhamos experimentado o funcionamento virtual para a distribuição de recursos”, acredita a gestora.

 

Resultados virtuais

Atriz transformou espetáculos de sucesso dos seus 40 anos de carreira em pequenos vídeos depois de projeto ser aprovado em edital 

Uma das artistas aprovadas no Calendário das Artes foi a atriz Rita Assemany, que inscreveu um projeto para transformar em mini vídeos dez espetáculos do seu repertório, que fizeram sucesso ao longo de 40 anos de carreira, comemorados em 2020. “Os editais são importantíssimos para dar essa segurada financeira mesmo. A gente vai se virando em mil coisas, um vai cozinhar, o outro vai bordar, mas a gente precisa atuar na nossa área. Quando vem a notícia de que novos editais serão feitos, ficamos ansiosos porque a sobrevivência está muito difícil. Sobreviver mesmo, desde o prato de comida, até a energia de passar por essa loucura toda”, diz Rita.

 

O projeto da atriz foi uma das 200 propostas premiadas com R$ 2,5 mil. Sobre o desafio de transpor para o vídeo os sucessos de sua careira, a atriz lembra: “Eu em casa, sozinha fazendo, pensei meu Deus como eu coloquei isso no edital? Não vou conseguir. Sem experiência nenhuma nessa área audiovisual eu tive que me virar em mil para ser diretora de vídeo, para ser diretora de ator em vídeo, para interpretar, para produzir, para fazer um pouco de tudo. Mas isso deu um gás, uma alegria”, relata. Veterana, Rita diz que a necessidade de atuar para a câmera trouxe novos aprendizados para sua trajetória. “Eu não conheço essa linguagem, não dei muito espaço ao audiovisual na minha carreira porque o meu barato sempre foi esse contato direto com o público. Tive que aprender a editar, usar melhor o olhar pra me comunicar melhor com o outro. Para mim foi estranho estar falando com a câmera. O tempo do vídeo é outro, completamente diferente. Tudo é desafiador, a luz, o som, a edição, com quem você vai trabalhar. Mas o mais desafiador é essa comunicação. E é esse tempo, que é completamente diferente do teatro, que às vezes tem pausas fundamentais e no vídeo não funcionam. Eu tô aprendendo ainda”, conta a artista.

Trecho de um dos episódios do docudrama que faz parte do projeto Memórias do Teatro da Bahia aprovado na lei Aldir Blanc

Outro que teve um projeto aprovado em edital foi o ator e diretor João Guisande. Com a interrupção das temporadas dos dois espetáculos em que estava envolvido, o artista resolveu usar o tempo do isolamento para trabalhar em um projeto antigo. Através de relatos colhidos por João com artistas baianos, foi lançado o projeto “Memórias do Teatro da Bahia”, aprovado já na Lei Aldir Blanc. A iniciativa tinha o objetivo de contar histórias do fazer teatral baiano. Dentro do projeto estavam a leitura dramatizada de um texto inédito escrito por Guisande, um documentário dramático – batizado de docudrama – em seis episódios contando histórias do teatro baiano, além de podcasts e uma exposição virtual. Apesar de grande, João conta que decisões foram tomadas no projeto em razão das limitações trazidas no edital. “Optei por não montar um espetáculo virtual, porque fiquei com medo no sentido do recurso. O edital dá pouca grana, então eu precisei, primeiro, experimentar uma versão em leitura dramatizada, ao vivo, online, que deu super certo, do que tentar montar um espetáculo com pouco dinheiro. Tecnologia é caro, lidar com toda essa estrutura, fazer dar certo”, relata o ator.

 

E o futuro?

Reproduzir vídeo

Depois de um ano intenso de produções virtuais, no entanto, João já está com planos de voltar ao teatro como conhecido antes do isolamento. Desde o início de agosto em Portugal, o artista atendeu ao convite para fazer parte da montagem de Cúmplices. O texto é uma adaptação do diretor Moncho Rodriguez inspirada na tragédia Ricardo III, de William Shakespeare, e tem estreia prevista para o início de outubro de 2021 na cidade de Freixo de Espada à Cinta e depois pretende circular por Portugal. No novo projeto, a intenção de voltar a fazer teatro como antes, de cima do palco e na presença física da plateia. A previsão é de que a peça venha a Salvador em 2022. “Tem sido um processo de bastante imersão, um trabalho muito bonito com a comunidade. Não imaginava que fosse voltar a fazer teatro presencial tão cedo. Aqui as coisas da pandemia estão um pouco mais controladas e estamos podendo trabalhar. Tô muito feliz, empolgado com o projeto, e ansioso para voltar à cena”, diz o artista sobre o novo trabalho.

Do outro lado do oceano, em terras baianas, o primeiro espetáculo a anunciar uma temporada com plateia presencial foi Quixeramobim, novo monólogo de Ricardo Castro, montado para comemorar seu aniversário de 50 anos e que faz temporada no Teatro Molière. Antes dele, a atriz Márcia Limma reabriu Teatro Sesc Senac Pelourinho para cinco apresentações do seu espetáculo Medeia Negra, com plateia presencial. Já o ator Rafael Bulhões subiu ao palco do Teatro Gamboa para apresentar seu solo Devir Gazela no primeiro final de semana de setembro. Mesmo com a plateia ainda virtual o artista não escondeu a alegria da retomada. “Feliz de estar atuando em tempos tão nebulosos, na minha cidade”, comemora o ator, com a expectativa de reencontrar a plateia presencialmente ainda este ano.

Enquanto os artistas vão buscando o retorno, cada um à sua maneira, os gestores públicos anunciam a necessária manutenção das ferramentas de auxílio. Tanto o governo da Bahia, quanto a prefeitura de Salvador, anunciaram prêmios que utilizaram recursos remanescentes das Lei Aldir Blanc. No âmbito estadual, o prêmio Cultura na Palma da Mão vai aplicar mais de R$ 7 milhões em projetos artísticos realizados exclusivamente pela internet. Já no munícipio, o prêmio Riachão investe R$ 1,8 milhão em pelo menos 120 propostas artísticas a serem selecionadas. A prefeitura também anunciou o programa Viva Cultura, que investirá R$ 3 milhões do município em projetos culturais.

 

Em comum, uma única vontade: o retorno. “Que a gente mantenha essa sede de experimentar e de entrar nesse universo e das novas tecnologias, e que ao mesmo tempo aconteça um boom social que faça com que as pessoas saiam de casa e voltem o teatro e ocupem os teatros. Isso é o sonho”, deseja João Guisande. “Vamos voltar mais fortes, com mais vontade. O teatro não acaba. Não acabou na primeira nem na segunda guerra, não acabou com o rádio, com a televisão, com o se cinema. Se transforma, estamos nos transformando”, finaliza Rita Assemany.

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